Entrada de blog por Catarina Canelas - Abril 29, 2025


O GRANDE APAGÃO: A SEGURANÇA ERA A ENERGIA E MUITO MAIS 

O grande apagão desta segunda-feira, 28 de abril, já nos deixa algumas lições e aprendizagens. Enquanto continuam os trabalhos de recuperação e investigação, a prioridade é expressar a nossa solidariedade com todas as pessoas que passaram por situações desconfortáveis e, até graves, nas últimas horas. Queremos também transmitir a nossa gratidão a todo o pessoal de emergência e a todas as equipas de profissionais que atenderam a população e contribuíram para restabelecer o fornecimento de eletricidade.

Ao mesmo tempo, e enquanto não temos investigações mais aprofundadas, podemos já partilhar algumas primeiras análises:

1. A segurança era isto

Ontem pudemos comprovar que a nossa segurança, de que tanto se fala hoje, está mais relacionada com a resiliência da nossa infraestrutura energética ou de transportes, do que com a compra de armamento e munições. Cada euro investido conta e hoje é o momento de recordar que a melhor política de defesa é um sistema energético acessível, distribuído e renovável, que garanta o fornecimento e contribua para travar as alterações climáticas — a principal ameaça do nosso tempo.

2. Tempo de energias renováveis

Outra das lições silenciosas que este apagão nos deixa é que as renováveis são o único futuro seguro, viável e rentável como fonte de energia. Algo que talvez esteja a passar despercebido é que, perante a antiga dependência das importações de energia de França, no momento do apagão, Espanha estava a  exportar eletricidade renovável para o norte e para Portugal graças à crescente robustez das suas renováveis.

“No momento do apagão, Espanha estava a exportar eletricidade para França e Portugal graças à crescente força das renováveis.”

3. Mais um fracasso nuclear

Este grande apagão revelou algumas das debilidades mais flagrantes da energia nuclear. Por volta das cinco da tarde, quando o fornecimento começava a ser restabelecido, a energia voltou a falhar novamente na Península inteira. As renováveis estavam a gerar 90% da eletricidade que se estava a fornecer, tudo em tempo real e com grande flexibilidade. Espanha seguiu assim durante 24 horas, esperando que alguma central nuclear conseguisse completar os seus arranques lentos e engasgados. Esta rigidez da energia nuclear é um dos seus maiores e mais sujos segredos, sendo incompatível com modelos de gestão modernos, que exigem grande agilidade.

“Esta rigidez da energia nuclear é um dos seus maiores e mais sujos segredos.”

4. Amargo simulacro da dor alheia

Mais uma vez, com todo o respeito pelas pessoas afetadas, talvez valha a pena dedicar um instante à reflexão (mesmo que a partir do privilégio) sobre como é o dia-a-dia de milhões de pessoas em todo o mundo (como na Faixa de Gaza) que veem um bem básico como a eletricidade, ser-lhes retirado. Para muitas pessoas em Portugal e Espanha, o dia de ontem foi duro. Para muitas outras, será apenas um incómodo, uma frustração ou até uma anedota.

Para uma boa parte da humanidade, esta segunda-feira foi apenas mais um dia como tantos outros nas suas vidas.

5. Aprender a ir mais devagar para chegar mais longe

Por fim, sem qualquer insensibilidade, porque não olhar também para dentro? Para quem teve a sorte de não sofrer grandes danos ou perturbações, como vivemos essas horas de uma vida mais lenta? Mais uma vez, alguns conservadores olharam para os seus vizinhos e arriscaram dizer bom dia. Cruzámo-nos com mais pessoas nas ruas, fomos buscar mais cedo os miúdos à escola, estivemos com eles e com outras famílias nos jardins, vimos as estrelas desde casa, pela ausência de poluição luminosa.

“Talvez segurança também seja travar com cuidado e colocar a vida no centro.”

6. Tampão nuclear francês

É compreensível que este apagão leve a pedidos por mais segurança (e maior “independência energética”), mas isso não é compatível com a energia nuclear. A ideia de depender de subsídios massivos para manter a energia nuclear de pé (porque sem grandes quantidades de dinheiro público não há energia nuclear possível) está completamente desalinhada com a ideia de independência, ainda para mais quando a energia nuclear Espanhola depende do urânio da Rússia.

Parte do problema da rede é a limitação das interligações com o resto da Europa. Estas interligações foram historicamente atrasadas pelo tampão nuclear francês, cuja velha indústria teme a concorrência da pujante (e barata) energia renovável.

“A energia nuclear não só não evitou este apagão, como provavelmente o prolongou.”

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